domingo, 22 de abril de 2012

O GÊNERO QUE MUDA A LINGUAGEM

LUIZA ELUF

Há poucos dias, recebi mensagem via internet contendo comentário assinado
por pessoa que desconheço criticando as feministas e o governo em geral
porque Dilma Roussef prefere ser chama de presidenta. Dizia o e-mail que
presidenta não existe, assim como não existem estudanta, adolescenta,
pacienta, sorridenta. Por essa razão, Dilma não teria o direito de
“violentar nosso pobre português apenas para ficar contenta” (sic). Esse
comentário infeliz vem sendo secundado por alguns incautos, que não
conhecem o vernáculo ou acham engraçado o texto e o repassam aos
amigos(as), mas é bom deixar claro que nada há de errado no termo
presidenta, assim como são corretas as palavras governanta e parenta,
dentre outras que fazem o feminino de substantivos com o sufixo “ente”ou
“ante” usando “a”. O dicionário Aurélio define presidenta como “a mulher
que preside”. Além desse, outros dicionários da língua portuguesa consignam
o verbete, acrescentando que também pode significar “a mulher do
presidente”.
Dicionários à parte, é preciso lembrar que os postos de poder sempre
primaram pela nomenclatura no masculino. É claro, se mulheres não podiam
assumir cargos de comando por imposição patriarcal, a linguagem secundava
essa exclusão, eliminando as designações desses postos no feminino. Não
faz muito tempo, as magistradas pioneiras em suas carreiras assinavam seus
nomes e acrescentavam embaixo “juiz de direito”. Da mesma forma, algumas
pioneiras do Ministério Público também registravam seus cargos apenas no
masculino. Embora o nome fosse de mulher, abaixo dele constava “promotor
de justiça”. A justificativa, que não mais se sustenta, era a de que esses
cargos haviam sido criados por lei apenas no masculino.
Incrível a dificuldade que certas pessoas têm de perceber o sistema de
dominação embutido na linguagem. As regras gramaticais não brotaram do
nada, elas têm um histórico secular que pretendeu tornar a mulher
irrelevante , a ponto de deixá-la invisível. Assim, em português como em
outras línguas européias, o masculino é sempre dominante, como por exemplo:
“o leitor”, representando todos os(as) leitores (as); “o homem”,
representando toda a humanidade. Mas o mundo mudou e a linguagem precisa
acompanhar essa mudança. É nesse particular que Dilma incomoda os
conservadores: ela torna evidente que seu cargo é ocupado por uma mulher. O
linguajar se presta a definir quem é superior e quem é subalterno., quem é
importante e quem é irrelevante, quem deve ser ouvido e quem merece ser
ignorado, quem tem autonomia e quem precisa obedecer; desta forma, molda
nossa maneira de ser e de pensar.
É intrigante a resistência em atender à vontade de Dilma de ser chamada de
presidenta, sabendo-se que o termo no feminino já se encontra reconhecido
nos dicionários da língua portuguesa há longos anos, portanto muito antes
de termos a primeira mulher a comandar o Brasil. Para nós, é da maior
importância termos a presidenta que temos. Ela não é apenas mulher, ela
valoriza a condição feminina.
Luiza Nagib Eluf é Procuradora de Justiça do Ministério Público de SPaulo.
Foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania e Subprefeita da Lapa.
Tem vários livros publicados, dentre os quais “A paixão no banco dos réus”
e “Matar ou morrer – o caso Euclides da Cunha.

www.luizaeluf.com.br
Celina.

Nenhum comentário:

Postar um comentário